Lembro-me claramente da vez em que acompanhei uma tia no ambulatório vascular e vi o medo nos olhos dela ao ouvir a palavra “isquemia”. Ela caminhava menos, evitava festas de família por causa da dor nas pernas e vinha sendo tratada só com analgésicos. Na minha jornada como jornalista e especialista em saúde vascular, aprendi que a doença arterial periférica (DAP) é muito mais do que dor ao caminhar: é um sinal de alerta para o coração e para a vida. Foi então que passei a investigar, orientar e acompanhar pacientes até procedimentos, reabilitação e mudanças de estilo de vida efetivas.
Neste artigo você vai entender o que é doença arterial periférica, como identificá-la, quais exames pedir, opções de tratamento (do jeito prático), e como reduzir o risco de complicações graves — com referências confiáveis para continuar sua leitura.
Conteúdo
O que é doença arterial periférica (DAP)?
A doença arterial periférica é o estreitamento ou obstrução das artérias que levam sangue aos membros, principalmente às pernas. Pense nas artérias como estradas: quando elas acumulam “trânsito” (placas de gordura), o fluxo de carros (sangue) diminui e as extremidades ficam “mal abastecidas”.
Também chamada de arteriopatia periférica ou síndrome isquêmica crônica dos membros inferiores, a DAP indica aterosclerose sistêmica — ou seja, o problema às vezes está espalhado pelo corpo, inclusive no coração e cérebro.
Quem corre mais risco?
- Idade avançada (acima de 65 anos) — risco aumenta com o tempo.
- Tabagismo: o maior fator de risco modificável.
- Diabetes, hipertensão e colesterol alto.
- História de doença cardiovascular (infarto, AVC) ou familiar com aterosclerose precoce.
Você já sentiu dor na coxa ou na panturrilha só quando caminha e que melhora com o repouso? Esse é um sinal clássico chamado claudicação intermitente.
Sintomas que não podem ser ignorados
- Claudicação intermitente: dor ao caminhar que cessa com pausa.
- Dor em repouso, especialmente à noite — sinal de isquemia mais grave.
- Feridas ou úlceras que não cicatrizam nos pés ou pernas.
- Pele fria, pálida ou com perda de pelos na perna.
- Diminuição ou ausência de pulso nos tornozelos/pés.
Como é feito o diagnóstico?
O exame inicial mais simples e útil é o índice tornozelo-braço (ITB ou ABI, ankle-brachial index). Ele compara a pressão arterial no tornozelo com a do braço.
Valores baixos do ITB sugerem DAP. Em seguida, podem ser solicitados exames de imagem como ultra‑sonografia doppler, angiotomografia (CT angiography) ou arteriografia para mapear a obstrução.
Tratamentos: do mais simples ao mais invasivo
O tratamento depende da gravidade. Vou listar desde as medidas que você pode começar hoje até os procedimentos especializados.
Mudanças de estilo de vida (fundamentais)
- Parar de fumar: a medida mais eficaz para reduzir progressão. Eu presenciei pacientes que, ao largarem o cigarro, tiveram melhora significativa na claudicação.
- Exercício supervisionado: programas de caminhada orientada por fisioterapeuta melhoram tolerância e reduziram sintomas em vários estudos.
- Dieta saudável e controle do peso.
- Cuidado com os pés: inspeções diárias, calçados adequados e tratamento rápido de pequenas feridas.
Medicação
- Antiplaquetários (aspirina ou clopidogrel) para reduzir risco de eventos cardiovasculares.
- Estatinas para controlar colesterol e estabilizar placas ateroscleróticas.
- Medicamentos para controlar pressão arterial e glicemia (no caso de diabetes).
- Fármacos para sintomas específicos (ex.: cilostazol pode melhorar a distância de caminhada em alguns pacientes).
Intervenções e cirurgia
Quando a circulação está muito comprometida ou há risco de perda do membro, revascularização é indicada.
- Angioplastia com stent: técnica endovascular menos invasiva.
- Bypass vascular: cirurgia de ponte para contornar a obstrução.
- Amputação: última opção, quando há necrose extensa ou infecção sem controle.
Por que tratar a DAP é tão importante?
Tratar a DAP reduz dor e melhora mobilidade, mas o benefício mais relevante é a proteção contra eventos cardiovasculares maiores. A presença de DAP aumenta o risco de infarto e AVC.
Segundo estimativas globais, a DAP afeta mais de 200 milhões de pessoas no mundo, sendo um marcador de doença arterial sistemática (World Heart Federation) (https://www.world-heart-federation.org/news/peripheral-artery-disease-affects-more-than-200-million-people-worldwide/).
Guidelines como o da American Heart Association/American College of Cardiology trazem recomendações claras sobre diagnóstico e manejo (JACC, 2016) (https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2016.11.007).
O que você pode fazer agora: checklist prático
- Se sente dor ao caminhar: procure avaliação médica e peça o ITB/ABI.
- Se fuma: procure apoio para parar — terapia medicamentosa e grupos funcionam.
- Comece a caminhar diariamente, com metas progressivas; busque programas de exercício supervisionado.
- Revise medicamentos para pressão, glicemia e colesterol com seu médico.
- Verifique pés diariamente e procure atendimento para qualquer ferida que não cicatrize em 2 semanas.
Minha experiência prática: o que costuma funcionar
Na cobertura das rotinas de clínicas e em muitos casos que acompanhei, três medidas se destacaram: cessação do tabagismo, programa de exercício supervisionado e adesão correta às estatinas. Pacientes que adotaram essas medidas frequentemente adiavam ou evitaram procedimentos invasivos.
Houve também casos em que a revascularização devolveu autonomia a pacientes com risco de amputação. A decisão precisa ser individualizada, discutida com equipe vascular e cardiológica.
Questões controversas e limites dos tratamentos
Há debates sobre o uso rotineiro de medicamentos como cilostazol e sobre quando preferir angioplastia versus bypass. Nem toda obstrução precisa de intervenção imediata; às vezes o monitoramento e o tratamento clínico são suficientes.
Transparência: nem todo paciente recupera a capacidade de caminhada anterior. E mesmo após sucesso da revascularização, o controle rigoroso dos fatores de risco continua essencial.
Perguntas frequentes (FAQ)
1. DAP tem cura?
Não existe uma “cura” universal, mas há tratamentos que controlam sintomas, melhoram qualidade de vida e reduzem riscos. Em muitos casos a progressão pode ser estacionada com medidas corretas.
2. O que é melhor: angioplastia ou cirurgia?
Depende do local e extensão da obstrução, do risco clínico do paciente e da expectativa de recuperação. A escolha é multidisciplinar.
3. Posso caminhar se tenho claudicação?
Sim. Caminhar faz parte do tratamento. Programas supervisionados trazem melhores resultados porque orientam intensidade e progressão.
4. Quanto tempo leva para cicatrizar uma úlcera isquêmica?
Depende da circulação, controle de infecção e tratamentos aplicados. Pode variar de semanas a meses; às vezes é necessária revascularização.
Resumo rápido
- Doença arterial periférica é estreitamento das artérias das pernas e indica aterosclerose sistêmica.
- Fatores de risco: tabagismo, diabetes, hipertensão, colesterol alto e idade.
- Diagnóstico inicial: índice tornozelo-braço (ITB/ABI) e doppler; confirmação com imagem quando necessário.
- Tratamento combina mudança de estilo de vida, medicação e, quando indicado, procedimentos endovasculares ou cirúrgicos.
Se você está lendo e sente algum dos sintomas descritos: não espere. Procure um angiologista ou cirurgião vascular para avaliação. E você, qual foi sua maior dificuldade com doença arterial periférica? Compartilhe sua experiência nos comentários abaixo — sua história pode ajudar outra pessoa.
Fonte consultada: American Heart Association — informações sobre Peripheral Artery Disease (https://www.heart.org/en/health-topics/peripheral-artery-disease-pad). Também utilizamos diretrizes publicadas no Journal of the American College of Cardiology (JACC) — 2016 Guideline on the Management of Patients With Lower Extremity Peripheral Artery Disease (https://www.jacc.org/doi/10.1016/j.jacc.2016.11.007).