A gente vê de tudo nessa vida de repórter. De escândalos políticos a tragédias pessoais. Mas poucas coisas me incomodam tanto quanto a falta de atenção para o que realmente importa na saúde das pessoas comuns. E a doença arterial periférica, ou DAP, é um desses incômodos. Um problema que, de tão subestimado, vira um monstro silencioso, roendo a qualidade de vida e, em casos extremos, levando até à perda de um membro. Uma dor na perna, muitas vezes, é só isso: uma dor. Mas pode ser o primeiro grito de alerta de um corpo que está, literalmente, entupindo.
Quantas vezes a gente não ouve alguém reclamar de uma “dorzinha nas pernas” depois de um dia cansativo ou, pior, culpar a idade? Pois é. O buraco, meu caro leitor, é bem mais embaixo.
Conteúdo
DAP: Mais do que uma simples dor na perna
Pois bem, vamos direto ao ponto. A doença arterial periférica é um nome pomposo para algo que acontece bem aqui, nas suas pernas e, por que não dizer, nos seus braços. Simplificando, suas artérias, aquelas tubulações que levam sangue rico em oxigênio e nutrientes para os músculos e tecidos, começam a entupir. É como se a sujeira se acumulasse nos canos da sua casa, diminuindo o fluxo até, quem sabe, bloquear tudo de vez. Essa “sujeira” é, em grande parte, resultado do acúmulo de placas de gordura e outras substâncias. O nome técnico? Aterosclerose.
O resultado é uma má circulação nas pernas. E sem sangue suficiente, os músculos sofrem. O corpo, coitado, não consegue a energia necessária para atividades simples. E é aí que a dor aparece. Uma dor que não é frescura, não é cansaço do dia a dia. É um alerta. Um grito.
Os Sinais Que A Gente Teima em Ignorar
O sintoma mais clássico da DAP é aquela dor nas pernas ao caminhar, que melhora quando a gente para para descansar. Os médicos chamam isso de claudicação. Parece uma palavra de outro mundo, mas é só o corpo dizendo: “Ei, estou com pouco combustível aqui embaixo!”. A intensidade dessa dor varia. Para alguns, é um incômodo leve. Para outros, uma fisgada que impede qualquer passo a mais. É a prova cabal de que a má circulação está agindo.
“Olha, é… é complicado. A gente trabalha, trabalha, mas o poder de compra, sabe? Parece que não sai do lugar. E a perna, então… dói. Dói quando ando mais. O doutor falou que é a idade, mas sei lá, parece que piora a cada dia. Fico com medo de não conseguir mais andar direito”, desabafa Carlos, motorista de aplicativo, 55 anos, enquanto esfregava a panturrilha na praça de táxis.
Mas não para por aí. Fique atento a outros sinais, que nem sempre gritam tão alto:
- Cãibras nas pernas ou nas nádegas ao se exercitar.
- Dormência ou fraqueza nas pernas.
- Sensação de frio em uma perna ou pé, quando comparada à outra.
- Feridas nos pés ou nas pernas que demoram a cicatrizar.
- Mudança na cor da pele das pernas (elas podem ficar mais pálidas ou azuladas).
- Perda de pelos nas pernas.
- Crescimento mais lento das unhas dos pés.
- Pulsos mais fracos ou ausentes nas pernas e nos pés (isso o médico verifica).
Não espere a coisa apertar para procurar ajuda. Na vida, como no jornalismo, antecipar o problema é metade da solução.
Por Que Suas Artérias Estão Entupindo? Os Vilões da DAP
A verdade é que a doença arterial periférica não surge do nada. É um processo lento, silencioso, que ganha força com hábitos e condições que a gente, por desinformação ou desleixo, cultiva no dia a dia. Os vilões são velhos conhecidos, mas nem por isso menos perigosos. É a tal da aterosclerose agindo nas artérias das pernas. Veja a lista dos principais suspeitos:
Fator de Risco | Impacto na DAP |
---|---|
Tabagismo | O campeão disparado. Fumar danifica as paredes dos vasos sanguíneos e acelera drasticamente o acúmulo de placas. |
Diabetes | Níveis altos de açúcar no sangue danificam os vasos, tornando-os mais propensos ao entupimento e à má circulação. |
Colesterol Alto | O excesso de colesterol ruim (LDL) é o principal componente das placas que entopem as artérias. |
Pressão Alta (Hipertensão) | Força excessiva do sangue contra as paredes das artérias, danificando-as e favorecendo a formação de placas. |
Obesidade e Sedentarismo | Contribuem para colesterol alto, pressão alta e diabetes, formando um círculo vicioso. |
Idade Avançada | O risco aumenta significativamente após os 50 anos, e mais ainda após os 65. |
Histórico Familiar | Se há casos de doença cardíaca ou DAP na família, o risco é maior. |
Olhe bem para essa tabela. Se você se encaixa em um ou mais desses itens, a luz amarela já deveria estar acesa há tempos. E não adianta fazer de conta que não é com você. A conta, no fim das contas, sempre chega.
O Diagnóstico e a Luta Contra o Avanço da Doença
Detectar a doença arterial periférica não é nenhum bicho de sete cabeças para um médico competente. Geralmente, começa com uma boa conversa sobre seus sintomas e histórico. Depois, o exame físico, onde o doutor vai checar os pulsos nas suas pernas e pés. Se eles estiverem fracos ou ausentes, é um forte indício de que algo não vai bem.
O exame mais comum e simples é o Índice Tornozelo-Braquial (ITB). O médico mede a pressão arterial no seu braço e no seu tornozelo. Se a pressão no tornozelo for significativamente menor do que no braço, é sinal de que o fluxo de sangue para as pernas está comprometido. Simples assim. Não precisa de agulha, não precisa de preparo. É rápido e pode salvar um bom pedaço da sua vida, ou da sua perna.
Outros exames podem ser solicitados, como o ultrassom Doppler, que mostra o fluxo sanguíneo nas artérias e a localização das obstruções, ou até mesmo angiografias, em casos mais complexos. O importante é não deixar para depois.
Tratamento: Mudar de Vida ou Pagar o Preço
Quando se trata de tratar a doença arterial periférica, a mágica não existe. É o bom e velho “mudança de estilo de vida”, essa frase que a gente tanto ouve e, francamente, nem sempre leva a sério. Mas aqui, ela é a base. Parar de fumar, controlar o diabetes, a pressão e o colesterol. E se mexer. Caminhar, mesmo que doa no começo, sob orientação médica, é fundamental para estimular a formação de novos vasos sanguíneos e melhorar a circulação.
Remédios também podem ser prescritos para:
- Melhorar o fluxo sanguíneo.
- Controlar o colesterol.
- Evitar a formação de coágulos.
- Controlar a pressão arterial.
Em casos mais avançados, quando o risco é maior ou a dor é insuportável, procedimentos como angioplastia (dilatação da artéria com um balão e colocação de um stent) ou cirurgia de ponte de safena podem ser necessários para desobstruir os vasos. É invasivo, mas muitas vezes, é a única saída para evitar o pior. Afinal, uma má circulação grave pode levar a coisas bem chatas.
As Sombras da Negligência: Onde a DAP Pode Levar
E aqui chegamos à parte que ninguém quer ouvir, mas que precisa ser dita. Se a doença arterial periférica não for tratada, as consequências podem ser devastadoras. A dor pode se tornar constante, mesmo em repouso. Feridas nos pés e nas pernas, que antes demoravam a cicatrizar, podem simplesmente não cicatrizar mais, evoluindo para infecções graves e gangrena. O que isso significa? Na pior das hipóteses, a necessidade de uma amputação do membro.
Sim, você leu certo. Perder um pé ou uma perna por algo que poderia ter sido evitado ou tratado precocemente. É uma realidade cruel para muitos, especialmente para quem tem diabetes e não cuida dos pés adequadamente. O pé diabético, quando associado à DAP, é uma bomba-relógio.
E não é só isso. A aterosclerose que afeta as pernas geralmente não está sozinha. Se as artérias das pernas estão entupindo, as artérias do coração e do cérebro também podem estar. O que nos leva a um risco aumentado de infarto e AVC. É um pacote completo de problemas que a gente insiste em ignorar.
No fim das contas, a doença arterial periférica é um lembrete amargo de que o corpo dá sinais. Pequenos avisos que, quando ignorados, se transformam em grandes problemas. Não espere a dor insuportável ou uma ferida que não fecha. Não espere o pior. O tempo, nessa briga, não costuma ser seu amigo. A saúde, como tudo na vida, pede atenção. E ação.