Pernas cansadas no fim do dia. Aquela veia que insiste em aparecer. Para a maioria, são só incômodos da vida moderna, um problema estético a ser ignorado. Para um cirurgião vascular, são os primeiros sinais de um problema que corre, literalmente, sob a pele.
A verdade nua e crua é que a maioria de nós só se lembra que tem um sistema circulatório quando ele falha. E, quando falha, o estrago pode ser grande. Falamos de trombose, aneurismas, derrames. Palavras que assustam, e com razão.
Mas o buraco é mais embaixo. A cirurgia vascular não é só sobre apagar incêndios. É sobre a manutenção de uma rede complexa e vital que a gente simplesmente assume que vai funcionar para sempre.
Não vai.
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O que faz, afinal, um cirurgião vascular?
Esqueça a imagem do cirurgião cardíaco que abre o peito para operar o coração. O cirurgião vascular é o engenheiro de tráfego do corpo. Ele cuida das “estradas”: as artérias que levam sangue oxigenado, as veias que o trazem de volta e os vasos linfáticos. Se uma dessas vias entope, estreita ou se rompe, é ele quem entra em cena.
O campo é vasto. Vai desde o tratamento de varizes, que muitos consideram apenas um detalhe estético, até operações de vida ou morte para corrigir um aneurisma de aorta abdominal prestes a romper.
As “estrelas” indesejadas do consultório
No dia a dia do especialista, alguns problemas são figurinhas carimbadas. E acredite, você provavelmente conhece alguém que tem ou terá um deles.
- Doença Arterial Obstrutiva Periférica (DAOP): É o entupimento das artérias, principalmente nas pernas. O cigarro e o diabetes são os grandes vilões aqui. O sintoma clássico? Dor na panturrilha ao caminhar, que alivia com o repouso. É o seu corpo gritando por oxigênio.
- Varizes e Insuficiência Venosa Crônica: As famosas veias dilatadas. Longe de serem só feias, indicam que o sangue não está voltando para o coração como deveria. O resultado é peso, inchaço, dor e, em casos graves, feridas que não cicatrizam (úlceras varicosas).
- Aneurismas: Uma dilatação anormal e perigosa de uma artéria. Pense num balão enchendo demais na parede de um vaso sanguíneo. Se estourar, a hemorragia interna é maciça. O mais comum é o de aorta, uma verdadeira bomba-relógio silenciosa.
- Estenose de Carótida: Estreitamento das artérias do pescoço que levam sangue ao cérebro. Placas de gordura se acumulam ali e podem se soltar, causando um Acidente Vascular Cerebral (AVC).
- Trombose Venosa Profunda (TVP): A formação de um coágulo numa veia profunda, geralmente na perna. O perigo real é quando esse coágulo se desprende e viaja até o pulmão, causando uma embolia pulmonar, que pode ser fatal.
Menos bisturi, mais tecnologia: a revolução endovascular
Se você imagina a cirurgia vascular como um procedimento com cortes enormes e recuperações dolorosas, sua referência está um pouco datada. A grande mudança na área, nos últimos 20 anos, foi a ascensão da cirurgia endovascular.
Em vez de abrir o paciente, o cirurgião faz uma pequena punção, geralmente na virilha, e navega por dentro dos vasos com cateteres, guias e stents. É como um encanador que resolve um entupimento sem quebrar a parede. Para o paciente, isso significa menos dor, menos tempo de hospital e uma volta mais rápida à rotina.
Para colocar na ponta do lápis, veja a diferença:
Aspecto | Cirurgia Convencional (Aberta) | Cirurgia Endovascular (Minimamente Invasiva) |
---|---|---|
Incisão | Grande, necessitando de vários pontos. | Pequena, semelhante a uma agulhada. |
Anestesia | Geral ou raquianestesia, na maioria dos casos. | Local com sedação, frequentemente. |
Tempo de Internação | Vários dias. | Um ou dois dias, às vezes alta no mesmo dia. |
Recuperação | Lenta, com mais dor e restrições. | Rápida, com menos dor e retorno precoce às atividades. |
Isso não quer dizer que a cirurgia aberta morreu. Em certos casos, ela ainda é a melhor ou a única opção. Mas a possibilidade de tratar um aneurisma com um stent ou desentupir uma artéria com um balão mudou o jogo.
A prevenção ainda é o melhor remédio
Um cirurgião experiente me disse uma vez, com um certo cansaço na voz: “Olha, nosso trabalho é fascinante, a tecnologia ajuda, mas… na maioria das vezes, estamos consertando anos de descaso. Anos de cigarro, de pratos de comida errados, de sedentarismo”.
E essa é a verdade que ninguém quer ouvir. Muitas das doenças vasculares poderiam ser evitadas ou retardadas. O roteiro é o mesmo que seu cardiologista ou clínico geral já passou:
- Não fume. É o veneno número um para as artérias.
- Controle o diabetes, a pressão alta e o colesterol.
- Mexa-se. Caminhar é um santo remédio para a circulação.
- Fique de olho no histórico familiar.
Ignorar os sinais, como aquela dor na perna que você culpa a idade, é uma aposta arriscada. O sistema circulatório não costuma mandar avisos sutis por muito tempo.
Este artigo foi elaborado por um jornalista com mais de 15 anos de experiência na cobertura de temas de saúde e ciência para grandes veículos de comunicação. A apuração envolve a consulta a especialistas da área e a análise de diretrizes de sociedades médicas, traduzindo o jargão técnico para uma linguagem acessível ao grande público, sem abrir mão da precisão factual. O objetivo é informar e alertar, nunca substituir a consulta a um profissional de saúde qualificado.
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. Cirurgião vascular é o mesmo que cirurgião cardíaco?
Não. O cirurgião cardíaco foca no coração e nos vasos que saem diretamente dele. O cirurgião vascular trata de todas as outras artérias e veias do corpo: pescoço, abdômen, braços e pernas.
2. Quando devo procurar um cirurgião vascular?
Se você tem dores nas pernas ao caminhar, inchaço persistente, varizes visíveis que causam dor ou desconforto, feridas que não cicatrizam nas pernas, ou se tem fatores de risco importantes (fumante, diabético) e histórico familiar de aneurismas ou AVC.
3. Varizes são só um problema estético?
Definitivamente não. Embora o apelo estético seja grande, as varizes são um sinal de insuficiência venosa. Se não tratadas, podem levar a dor crônica, inchaço, manchas escuras na pele e até feridas de difícil cicatrização.
4. A cirurgia endovascular é sempre a melhor opção?
Nem sempre. Apesar de ser menos invasiva, a escolha do método depende do tipo e localização da doença, da anatomia dos vasos do paciente e de suas condições gerais de saúde. A decisão é sempre individualizada e tomada em conjunto com o médico.
5. O plano de saúde cobre esses procedimentos?
Sim. Os procedimentos de cirurgia vascular, tanto convencionais quanto endovasculares, que têm finalidade reparadora e funcional (ou seja, não são puramente estéticos), estão no rol de procedimentos da ANS e devem ser cobertos pelos planos de saúde, conforme a segmentação do seu contrato.
Fonte de referência e consulta: Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV)