As pernas pesam no fim do dia. Um emaranhado de pequenas veias azuis surge sem pedir licença. Para muitos, é só um incômodo estético, um detalhe a ser escondido. Para a medicina, é um sinal de alerta. Um sinal que ecoa alto nos corredores do Congresso Brasileiro de Angiologia e Cirurgia Vascular, o maior encontro da especialidade na América Latina.
Longe dos olhos dos pacientes, em salas de conferência com ar-condicionado, centenas de especialistas se reúnem. Não é um evento para o público. É o backstage da saúde circulatória. Ali, discute-se o futuro de como trataremos desde as incômodas varizes até os silenciosos e mortais aneurismas.
E a verdade, nua e crua, é que o que acontece nesses eventos define a medicina que você e eu encontraremos nos consultórios nos próximos anos.
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Para Além das Varizes: Um Problema de Saúde Pública
Vamos direto ao ponto: angiologia não é só sobre “vasinhos”. O cirurgião vascular é o especialista que lida com a tubulação do corpo humano: artérias, veias e vasos linfáticos. Quando algo vai mal nesse sistema, as consequências são graves.
Estamos falando de trombose venosa profunda (TVP), que pode levar à embolia pulmonar; do pé diabético, que causa milhares de amputações anualmente no Brasil; dos aneurismas de aorta, que podem romper sem aviso; e do acidente vascular cerebral (AVC), muitas vezes causado pelo entupimento das artérias carótidas.
O congresso é um termômetro. E a temperatura mostra uma população cada vez mais doente. Diabetes, hipertensão, obesidade e sedentarismo formam o coquetel perfeito para entupir nossas artérias. Os médicos na linha de frente sabem disso. O desafio, que eles debatem à exaustão, é como consertar os estragos e, principalmente, como evitar que eles aconteçam.
O Bisturi Cede Espaço ao Laser e à Tecnologia
Se há uma revolução em curso, ela é minimamente invasiva. A imagem do cirurgião fazendo grandes cortes está, aos poucos, ficando no passado. O congresso é uma vitrine fascinante de novas tecnologias que parecem saídas da ficção científica.
A discussão central gira em torno de procedimentos que prometem mais eficiência, menos dor e uma recuperação quase instantânea. É a troca do bisturi pelo cateter, da anestesia geral pela local.
Veja a comparação:
Tratamento Tradicional (Varizes) | Tratamento Moderno |
---|---|
Cirurgia com múltiplos cortes. | Punção única guiada por ultrassom. |
Anestesia geral ou raqui. | Anestesia local. |
Necessidade de internação. | Alta no mesmo dia. |
Repouso de semanas. | Retorno às atividades em poucos dias. |
“Olha, é… é impressionante. Antigamente, para tratar uma safena doente, a gente precisava ‘arrancar’ a veia. O pós-operatório era doloroso, cheio de hematomas”, confidenciou um cirurgião com mais de 20 anos de carreira, num dos cafés do evento. “Hoje, com o endolaser, a gente entra na veia, queima ela por dentro com o laser e pronto. O paciente vai pra casa andando.”
A Encruzilhada da Prevenção
Apesar do brilho da tecnologia, a conversa mais séria e, por vezes, mais frustrante do congresso é sobre prevenção. De que adianta ter o laser mais moderno do mundo se a população continua a desenvolver as doenças em ritmo acelerado?
Os especialistas sabem que o buraco é mais embaixo. A luta contra o tabagismo, a promoção de dietas saudáveis e o incentivo à atividade física não dependem de um novo aparelho importado. Dependem de políticas públicas e de uma mudança de consciência coletiva.
O Acesso à Saúde Vascular: O Elefante na Sala
E aqui entra o ceticismo do repórter. Toda essa tecnologia de ponta, discutida com entusiasmo, tem um custo. A grande questão que paira no ar, mesmo que não dita em voz alta em todos os painéis, é: quem paga a conta?
O tratamento com espuma densa para varizes, por exemplo, é uma alternativa fantástica para idosos ou pacientes com múltiplas comorbidades. Mas ele já está amplamente disponível no SUS? O endolaser, padrão-ouro em muitos países, é a realidade da maioria dos hospitais brasileiros?
A resposta é um desconfortável “não”. Existe um abismo entre o que a vanguarda da medicina vascular pode oferecer e o que a maioria da população brasileira pode, de fato, receber. Fechar essa lacuna é, talvez, o maior desafio que sai na bagagem dos médicos ao fim do congresso.
O evento termina. Os médicos voltam para seus consultórios, hospitais e centros cirúrgicos. Trazem na mala não apenas o conhecimento sobre novas técnicas, mas a certeza de que a saúde das nossas veias e artérias é um reflexo direto da saúde da nossa sociedade. E essa, infelizmente, ainda precisa de muito tratamento.
Este artigo reflete a análise e a experiência de um jornalista com 15 anos de cobertura na área de saúde e ciência, buscando traduzir a complexidade de eventos médicos para o público geral, com base em fatos e observações diretas.
Perguntas Frequentes (FAQ)
1. O que é exatamente o Congresso Brasileiro de Angiologia e Cirurgia Vascular?
É o principal encontro científico de especialistas em doenças da circulação (artérias, veias e linfáticos) no Brasil. Nele, médicos e pesquisadores apresentam os últimos estudos, debatem novas técnicas cirúrgicas e de tratamento, e definem as melhores práticas para cuidar de doenças como varizes, trombose, aneurismas e obstruções arteriais.
2. As novas tecnologias, como o laser, servem para todos os casos de varizes?
Não necessariamente. Embora tecnologias como o endolaser e a espuma densa sejam revolucionárias, a indicação correta depende de uma avaliação detalhada por um angiologista ou cirurgião vascular. Fatores como o calibre da veia, a localização e o histórico do paciente são cruciais para definir o melhor método. Por isso, a consulta com um especialista qualificado é indispensável.
3. As discussões do congresso podem impactar o tratamento oferecido no SUS?
Sim, a médio e longo prazo. Os protocolos e diretrizes discutidos no congresso influenciam as recomendações da Sociedade Brasileira de Angiologia e de Cirurgia Vascular (SBACV). Com o tempo, essas novas práticas podem ser incorporadas pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS (CONITEC), tornando-se disponíveis na rede pública, embora esse processo nem sempre seja rápido.
4. Qual a principal mensagem do congresso para a população geral?
A principal mensagem é que a prevenção é o melhor remédio. Embora os tratamentos estejam cada vez mais avançados, evitar a doença é sempre o cenário ideal. Controlar o peso, não fumar, praticar atividade física regularmente e manejar condições como diabetes e hipertensão são as atitudes mais eficazes para garantir uma boa saúde vascular ao longo da vida.
Fonte de referência para dados gerais de saúde pública: Portal G1 Saúde.